Breves reflexões sobre o Advento e o Natal
Frei Almir Guimarães
Eis, de longe está vindo o Senhor, seu fulgor enche todo o universo (Liturgia do Advento).
Deus está para chegar. Este é o clamor do Advento. Na vida é fundamental saber e querer esperar. Haverá Natal para aqueles que esperam a visita de Deus nos cantos do coração e para os que arregaçam as mangas no empenho de eliminar a desesperança. Não falamos de uma esperança passiva e inerte, mas ativa, resoluta e decidida. Ninguém vive sem esperança.
A mãe espera ansiosamente a chegada do filho que se aninhou em seu seio. A moça que trabalha no caixa do supermercado espera o final de seu expediente para encontrar o marido e os filhos e se ocupar das coisas da casa, lá onde ela se sente muito bem. O casal espera que seu relacionamento melhore para que ele e ela possam sonhar novos sonhos e esboçar sólidos projetos de bem querer para o tempo da vida que vem. O amigo aguarda o amigo na rodoviária ou no aeroporto pensando na festa do coração. Eles terão muitas coisas a se dizer…
Há essa espera fundamental do Senhor na vida. Sem ela não há natal, não há nascimento de Deus na trama da vida de ninguém. Agostinho de Hipona lembra: “Irrequieto é nosso coração enquanto não descansar em Deus!” Felizes aqueles que não se satisfazem com coisas pequenas, coisinhas e bugigangas, mas dilatam o horizonte de seus anseios e desejos. Os salmos nos falam do homem sedento de Deus, desejoso da visita do Alto: “Assim como a corça suspira pelas águas correntes, suspira igualmente minh’alma por vós, ó meu Deus! Minh’alma tem sede de Deus, e deseja o Deus vivo. Quando terei a alegria de ver a face do Deus vivo?” (Sl 41,2-3). Assim como a terra se abre à chuva, da mesma forma o coração inquieto espera uma água que vem do alto. “Que os céus lá do alto derramem o orvalho, que chova das nuvens o Justo esperado. Que a terra se abra e germine o Salvador”.
É fundamental esperar Deus! “Espero Deus com gulodice” (Arthur Rimbaud). Não temos o direito de domesticar o futuro. Este precisa ficar aberto. Deus precisa ser livre para fazer de nós e do mundo o que quer e não aquilo que pouco sabiamente programamos e queremos que ele realize.
Nossa medida não é a medida do Senhor.
Homens e mulheres de advento são peregrinos, não param de caminhar. Não se pode parar porque Deus vem do amanhã que ainda não existe.
Existe uma espera impaciente que queima as etapas, que não respeita os tempos interiores. Tal impaciência faz de nós seres tensos incapazes de viver o momento presente. Fugimos. Corremos de um lado para o outro. A esperança não é nervosismo, embora seja ativa.
Dante Alighieri, na sua “Divina Comédia”, coloca na entrada do inferno a seguinte advertência: “Vós que entrais, colocai de lado toda esperança” Uma vida sem esperança é o inferno antecipado.
São jovens os que fazem projetos para o futuro. Thomas Mann afirma: “O tempo que se passa esperando, não envelhece o homem!”
Por isso, o Advento tem este perfume: Ele vem, vem ao nosso encontro, quebrar a nossa solidão, sonhar os nossos sonhos, viver a nossa vida e assim não estaremos mais sós…
Deus está para chegar no fragilidade do rosto do Menino das Palhas…
Nosso Deus há de vir com poder
iluminar nosso olhar, aleluia.
As Normas Litúrgicas para o Ano litúrgico dizem: “ O tempo do Advento possui uma dupla característica: sendo um tempo de preparação para as solenidades do Natal em que se comemora a primeira vinda do Filho de Deus entre os homens, é também um tempo em que, por meio desta lembrança, voltam-se os corações para a segunda vinda de Cristo no fim dos tempos. Por este duplo motivo o tempo do Advento se apresenta como um tempo de piedosa e alegre expectativa” (n. 39).
“O Senhor Jesus vem de muitos modos no presente. Ele manifesta-se nos irmãos; manifesta-se na Sagrada Escritura, na Igreja, nas ações litúrgicas. Ele vem sempre. Podemos dizer que a vida cristã, constitui um permanente advento do Senhor. Contudo, num determinado período do ano este advento do Senhor é tematizado de modo mais intenso. É o tempo do Advento em que a Igreja se coloca à espera do Senhor, comemorando sua vinda no passado e proclamando sua outra vinda no futuro” ( Frei Alberto Beckhäuser, OFM, Viver o Ano Litúrgico, Vozes 2003, Petrópolis, p. 50).
Cirilo de Jerusalém (séc. IV) fala das duas vindas de Cristo. A primeira se revestiu de um aspecto de sofrimento, a segunda manifestará a coroa da realeza divina. Houve uma primeira descida de Cristo, discreta como a chuva sobre a relva e haverá outra, no esplendor, e que se realizará no futuro: “Na primeira ela foi envolto em faixas e reclinado no presépio; na segunda, será revestido de um manto de luz. Na primeira ele suportou a cruz, sem recusar a sua ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos” (Lit. das Horas, I, p. 113-114).
Bernardo de Claraval (séc. XII), por sua vez, fala de uma tríplice vinda de Cristo. Entre a primeira, a do presépio, e a última no fim dos tempos, há uma vinda intermediária. A primeira e a última são visíveis, a intermediária, não. “Na primeira vinda o Senhor apareceu na terra e conviveu com os homens. Foi então, como ele próprio declara, que viram-no e não o quiseram receber. Na última, todo homem verá a salvação de Deus (Lc 3,6) e olharão para aquele que traspassaram (Zc 12,10). A vinda intermediária é oculta e nela somente os eleitos o vêem em si mesmos e recebem a salvação. Na primeira o Senhor veio na fraqueza da carne; na intermediária vem espiritualmente, manifestando o poder de sua graça; na última, virá com o esplendor de sua glória’’ (Lit. das Horas I, p. 138).
“Celebrando cada ano o mistério do Advento, a Igreja nos exorta a renovar continuamente a lembrança de tão grande amor de Deus para conosco. Ensina-nos também que a vinda de Cristo não foi proveitosa apenas para os seus contemporâneos, mas que a sua eficácia é comunicada a todos nós se, mediante a fé e os sacramentos, quisermos receber a graça que ele nos prometeu e orientar a nossa vinda conforme os seus ensinamentos (S. Carlos Borromeu).
Sou eu, o Senhor, que me aproximo,
a minha justiça já está perto,
a minha salvação já não demora! (Liturgia do Advento)
Vem, ó Jesus, envolto em paninhos,
não no furor das armas!
Na humildade
e não nos coisas grandes.
No presépio
e não nas nuvens dos céus.
Nos braços de tua mãe
e não num trono de glória.
Sobre um burrico
e não carregado por querubins.
Ao nosso encontro,
e não contra nós.
Para salvar,
e não para julgar.
Para visitar na paz
não para condenar no furor.
Se tu vens assim, ó Jesus,
em vez de fugir de ti
correremos aos teu encontro!
Pierre de Celles (séc. XIII)
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Levantai a vossa cabeça e olhai,
pois a vossa redenção se aproxima!
Liturgia do Advento
Nossa sociedade conseguiu realizar uma imensa proeza. Tirou Jesus do presépio e esvaziou o Natal da presença do Menino das Palhas, do Deus que vem nos visitar. Os grandes centros comerciais do país ignoram a mensagem cristã: luzes, brilhos, dourados, temática de bichinhos para atrair as crianças….e nada de presépio. Come-se, bebe-se, há presentes trocados, mas sem Jesus, aquele que é a alma do Natal.
“Para conquistar os homens, elevá-los a si, para falar com eles, Deus veio a este mundo como criança; como um balbucio que é fácil sufocar. E, de fato, as pessoas o sufocam… Sufocam-no fazendo do Natal a festa da sociedade de consumo, do esbanjamento, do institucionalizado, festa dos presentes e das decorações luminosas, do décimo terceiro salário, dos espumantes e panetones; festa de certa poesia generalizada, de um difuso sentimentalismo com verniz de generosidade e emoção. Outros sufocam o Deus-Menino impedindo-o de crescer. Deus permanece criança por toda a vida; uma frágil estatueta de terracota, relegada a uma caixa, que se coloca no presépio uma vez por ano; é preciso um pretexto para dar aparência religiosa a este natal pagão. As palavras que esta criança trouxe aos homens não são ouvidas; são exigentes e inoportunas, enquanto um cristianismo adocicado é mais cômodo” ( Missal Dominical da Paulus, p.80).
Exprime bem o sentido do Natal este texto judeu-cristão do século II atribuído a um certo Salomão:
Deus assumiu meu rosto
Seu amor por mim
humilhou sua grandeza.
Ele se fez semelhante a mim
para que eu o receba.
Fez-se semelhante a mim
para que eu possa revestir-me dele.
Ao vê-lo não tive medo
porque ele é a misericórdia para mim.
Assumiu minha natureza
para que eu o compreenda,
assumiu um rosto
para que eu não me afaste dele.
Natal é Deus conosco e a festa da encarnação do Verbo:
Aquele que por sua natureza era igual ao Pai aniquilou-se assumindo a condição de escravo: despiu-se da majestade e do poder, não porém da bondade e da misericórdia. De fato, o que diz o Apóstolo? A bondade e a humanidade de Deus, nosso salvador se manifestaram (Tt 3,4). Seu poder aparecera anteriormente na criação do universo, e sua sabedoria se manifestava no governo de todas as coisas, mas a doçura de sua misericórdia apareceu sobretudo, agora, na sua humanidade (S. Bernardo de Claraval)
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Quero evocar a lembrança do Menino que nasceu em Belém e todos os incômodos que sofreu desde a sua infância: quero vê-lo tal qual ele era, deitado numa manjedoura e dormindo sobre o feno, entre um boi e um burro
1Celano 84
Num lugarejo chamado Greccio, não muito longe de Rieti, dois anos antes de sua morte, Francisco resolveu fazer uma encenação do presépio: um manjedoura, os animais, as coisas simples, o essencial. Na noite santa a celebração da eucaristia. Sobre a toalha do altar, verdadeiro presépio, o Cristo pão. Natal e Eucaristia se conjugam.
Queria o santo ver com seus próprios olhos, plasticamente, como as coisas tinham acontecido. Singeleza, simplicidade… Um menino todo fragilidade como todos os meninos da face da terra, filho da Pobre Maria, da Paupércula. O menino dependia dos peitos da mãe. Uma criança que vem do infinito e que necessita de todos os cuidados e atenções dos humanos. O Santo fica extasiado com o Deus pobre. A pobreza do Filho de Deus passa a ser a sua via, a sua estrada. Pobreza que é caminho, mas é esposa. Francisco compreenderá que a pobreza acompanhará os passos de Cristo e ele não querer outra coisa senão seguir os passos de Jesus e de sua mãezinha pobre.
O sacerdote celebrou a missa, Francisco fez o sermão, parecia ter mel nos lábios quando falava o nome de Jesus. E quando pronunciava a palavra Belém era como se imitasse o som do balido de uma ovelha… Êxtase diante de Deus feito criança e pobreza.
Achava o santo que se deveria, no Natal, esfregar carne nas paredes para que estas soubessem que Deus veio morar entre nos. Queria também que os animais, sobretudo os pássaros, recebessem ração dupla e , quando natal caísse em sexta-feira ficava abolido o jejum.
Há um mistério de paz, de bondade e de proximidade no presépio do frágil menino.
Será um menino pequeno ou uma luz que, dormindo, nos sorri?Pelo simples fato de olhar esta criança, a alma se ilumina.
Maurice Carême
Menino Jesus,
não há ninguém à minha volta
nesta igreja vestida de penumbra.
Estou diante de teu presépio.
Contemplo teu rosto sereno e tuas mãos tão pequenas
aí deitado no estábulo do boi e do burro.
Tu te remexes, Menino das Palhas,
olhas de um lado para o outro,
estendes tuas mãos,
acolhes os visitantes simples que são os pastores.
Menino Jesus,
tu és o nosso Deus feito criança, feito semblante,
feito mãos e pés.
Tu, Menino das Palhas, Deus de toda beleza,
que sejas bem vindo entre nós
e possas sentir-te à vontade nessa nossa casa.
Abrimos nossas casas e nossos corações.
Vem sentar-te conosco,
comer a comida de nossas mesas,
escutar as batidas de nosso coração,
sentir o vai e vem de nossa respiração.
Deus grande e Deus belo,
tu vês essa mulher que está perto de teu presépio,
mulher reta e simples que quer comemorar mais uma vez
a festa de tua natividade.
Tu tens mãos para tocar os doentes,
Voz para que tua mensagem chegue ao fundo dos corações
Pés para caminhar porque felizes são os passos do mensageiro da paz.
Que o mundo saiba que há uma grande esperança
Porque Deus veio morar para sempre na terra dos homens.
Hoje desceu do céu para nós a verdadeira paz.
Hoje os céus destilam mel por todo o mundo.
Da Liturgia do Natal
Natal nos lembra paz. Cristo é o príncipe da paz. No seu nascimento os anjos cantaram a paz. Depois de sua ressurreição ele dá a paz aos seus apóstolos.
“Como é desejável esse nome de paz, estável fundamento da fé cristã e e celeste ornamento do altar do Senhor! E que poderíamos dizer que fosse digno desta paz? O próprio nome de Cristo é paz, como diz o Apóstolo: Cristo é a nossa paz, de ambos os povos fez um só (Ef 2,14). Pois bem: assim como quando o rei está para sair, as ruas são limpas, e toda a cidade é ornada de flores e enfeites variados, de modo que não haja nada menos digno de se mostrar a ele, também agora, a chegada do Cristo, rei da paz, seja retirado tudo que é triste; e, ao brilhar a verdade, seja afugentada a mentira, cesse o conflito, resplandeça a concórdia. Por isso, se também na terra a paz é louvada pelos santos, o esplendor de seu louvor é realizado no céu onde os anjos a louvam, dizendo: Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens que ele ama (Lc 2.14). Vede, irmãos, como os habitantes do céu e da terra trocam entre si os presentes da paz: enquanto os anjos anunciam a paz na terra, os santos da terra louvam o Cristo, que é nossa paz e está nos céus, e todos cantam juntos em místicos coros: Hosana nas alturas!
Dos Sermões de São Pedro Crisólogo
No tempo do natal temos vontade de pedir a paz:
Senhor, ressoa ainda em nossos ouvidos
as tuas palavras: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz,
mas não a dou como o mundo”.
Quisera eu poder ser instrumento da paz
num mundo de violência e de dilaceramentos.
Quebra a paz o desejo de ser maior e mais aquinhoado
que os outros.
Quebra a paz a inveja e o desejo de vingança.
Quebra a paz as fissuras de nosso coração.
Quebra a paz a tortura de indefesos nas prisões e delegacias
por pessoas sem escrúpulo e animalizadas.
Não temos paz para sair à noite,
não temos paz com a violência no trânsito
não temos paz com a inflação de sons e de ruídos.
Não possui paz a criança que perdeu o pai na guerra dos traficantes
ou que percebe que seus pais não se amam e vão se separar.
Há paz onde há perdão.
Há paz onde se respeita a dignidade e o mistério da pessoa,
onde os adversários procuram estender as mãos
Há paz quando Deus visita o interior de cada um com seu manto de misericórdia.
O Menino da Palhas é o príncipe da paz.
Dá-nos, Senhor, a paz e faze de nós instrumentos de pacificação.
Belo texto de Pierre Guilbert:
A paz poderá vir
se, para ti, o outro é antes de tudo um irmão,
se a cólera for para ti uma fraqueza e não uma prova de força,
se preferes sair prejudicado a lesar alguém,
se te recusas a dizer que depois de ti só virão catástrofes,
se te colocas do lado do pobre e do oprimido sem a pretensão de ser herói,
se crês que o amor é a única forma de dissuasão,
se crês que a paz seja possível…
… então a paz poderá vir!
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