O
desejo de Deus é um sentimento inscrito no coração do homem, porque o homem foi
criado por Deus e para Deus. Deus não cessa de atrair o homem para Si e só em
Deus é que o homem encontra a verdade e a felicidade que procura sem descanso:
«A razão
mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus.
Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois
se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor,
constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não
reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador».
De
muitos modos, na sua história e até hoje, os homens exprimiram a sua busca de
Deus em crenças e comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos,
meditações, etc.). Apesar das ambiguidades de que podem enfermar, estas formas
de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso:
Deus
«criou de um só homem todo o gênero humano, para habitar sobre a superfície da
terra, e fixou períodos determinados e os limites da sua habitação, para que os
homens procurassem a Deus e se esforçassem realmente por O atingir e encontrar.
Na verdade, Ele não está longe de cada um de nós. É n'Ele que vivemos, nos
movemos e existimos» (Act 17, 26-28).
Mas
esta «relação íntima e vital que une o homem a Deus» pode ser esquecida,
desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem. Tais atitudes podem ter
origens diversas a revolta contra o mal existente no mundo, a ignorância ou
a indiferença religiosas, as preocupações do mundo e das riquezas, o mau
exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião e,
finalmente, a atitude do homem pecador que, por medo, se esconde de Deus e
foge quando Ele o chama .
«Exulte
o coração dos que procuram o Senhor» (Sl 105, 3). Se o homem pode esquecer ou
rejeitar Deus, Deus é que nunca deixa de chamar todo o homem a que O procure,
para que encontre a vida e a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o
esforço da sua inteligência, a rectidão da sua vontade, «um coração recto», e
também o testemunho de outros que o ensinam a procurar Deus.
És
grande, Senhor, e altamente louvável; grande é o teu poder e a tua sabedoria é
sem medida. E o homem, pequena parcela da tua criação, pretende louvar-Te – precisamente
ele que, revestido da sua condição mortal, traz em si o testemunho do seu
pecado, o testemunho de que Tu resistes aos soberbos. Apesar de tudo, o homem,
pequena parcela da tua criação, quer louvar-Te. Tu próprio a isso o incitas,
fazendo com que ele encontre as suas delícias no teu louvor, porque nos fizeste
para Ti e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Ti .
Os
caminhos de acesso ao conhecimento de Deus
Criado
à imagem de Deus, chamado a conhecer e a amar a Deus, c homem que procura Deus
descobre certos «caminhos» de acesso ao conhecimento de Deus. Também se lhes
chama «provas da existência de Deus» – não no sentido das provas que as
ciências naturais indagam mas no de «argumentos convergentes e convincentes»
que permitem chegar a verdadeiras certezas.
Estes
«caminhos» para atingir Deus têm como ponto de partida criação: o mundo
material e a pessoa humana.
O mundo: A partir do movimento e do devir, da
contingência, da ordem e da beleza do mundo, pode chegar-se ao conhecimento de
Deu: como origem e fim do universo.
São
Paulo afirma a respeito dos pagãos: «O que se pode conhecer de Deus manifesto
para eles, porque Deus lho manifestou. Desde a criação do mundo, a perfeições
invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade tornam-se pelas suas
obras, visíveis à inteligência» (Rm 1, 19-20) .
E
Santo Agostinho: «Interroga a beleza da terra, interroga a beleza do mar
interroga a beleza do ar que se dilata e difunde, interroga a beleza do céu
[...] interroga todas estas realidades. Todas te respondem: Estás a ver como
somo belas. A beleza delas é o seu testemunho de louvor [«confessio»]. Essas belezas sujeitas à
mudança, quem as fez senão o Belo [«Ptdcher»], que não está sujeite à mudança?» .
O homem: Com a sua abertura à verdade e à
beleza, com o seu sentido do bem moral, com a sua liberdade e a voz da sua
consciência, com a sua ânsia de infinito e de felicidade, o homem interroga-se
sobre a existência de Deus. Nestas aberturas, ele detecta sinais da sua alma
espiritual. «Gérmen de eternidade que traz em si mesmo, irredutível à simples
matéria» , a sua alma só em Deus pode ter origem.
O
mundo e o homem atestam que não têm em si mesmos, nem o seu primeiro princípio,
nem o seu fim último, mas que participam do Ser-em-si, sem princípio nem fim.
Assim, por estes diversos «caminhos», o homem pode ter acesso ao conhecimento
da existência duma realidade que é a causa primeira e o fim último de
tudo, «e a que todos chamam Deus» .
As
faculdades do homem tornam-no capaz de conhecer a existência de um Deus
pessoal. Mas, para que o homem possa entrar na sua intimidade, Deus quis
revelar-Se ao homem e dar-lhe a graça de poder receber com fé esta revelação.
Todavia, as provas da existência de Deus podem dispor para a fé e ajudar a
perceber que a fé não se opõe à razão humana.
O
conhecimento de Deus segundo a Igreja
«A
Santa Igreja, nossa Mãe, atesta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as
coisas, pode ser conhecido, com certeza, pela luz natural da razão humana,
a partir das coisas criadas» . Sem esta capacidade, o homem não poderia
acolher a revelação de Deus. O homem tem esta capacidade porque foi criado «à
imagem de Deus» (Gn 1,
27).
Nas
condições históricas em que se encontra, o homem experimenta, no entanto,
muitas dificuldades para chegar ao conhecimento de Deus só com as luzes da
razão:
«Com
efeito, para falar com simplicidade, apesar de a razão humana poder
verdadeiramente, pelas suas forças e luz naturais, chegar a um conhecimento
verdadeiro e certo de um Deus pessoal, que protege e governa o mundo pela sua
providência, bem como de uma lei natural inscrita pelo Criador nas nossas
almas, há, contudo, bastantes obstáculos que impedem esta mesma razão de usar
eficazmente e com fruto o seu poder natural, porque as verdades que dizem
respeito a Deus e aos homens ultrapassam absolutamente a ordem das coisas
sensíveis; e quando devem traduzir-se em actos e informar a vida, exigem que
nos dêmos e renunciemos a nós próprios. O espírito humano, para adquirir
semelhantes verdades, sofre dificuldade da parte dos sentidos e da imaginação,
bem como dos maus desejos nascidos do pecado original. Daí deriva que, em tais
matérias, os homens se persuadem facilmente da falsidade ou, pelo menos, da
incerteza das coisas que não desejariam fossem verdadeiras» .
É por
isso que o homem tem necessidade de ser esclarecido pela Revelação de Deus, não
somente no que diz respeito ao que excede o seu entendimento, mas também sobre
«as verdades religiosas e morais que, de si, não são inacessíveis à razão, para
que possam ser, no estado actual do género humano, conhecidas por todos sem
dificuldade, com uma certeza firme e sem mistura de erro» .
Como
falar de Deus?
Ao defender a capacidade da razão humana
para conhecer Deus, a Igreja exprime a sua confiança na possibilidade de falar
de Deus a todos os homens e com todos os homens. Esta convicção está na base do
seu diálogo com as outras religiões, com a filosofia e as ciências, e também
com os descrentes e os ateus.
Mas
dado que o nosso conhecimento de Deus é limitado, a nossa linguagem, ao falar
de Deus, também o é. Não podemos falar de Deus senão a partir das criaturas e
segundo o nosso modo humano limitado de conhecer e de pensar.
Todas
as criaturas são portadoras duma certa semelhança de Deus, muito especialmente
o homem, criado à imagem e semelhança de Deus. As múltiplas perfeições das
criaturas (a sua verdade, a sua bondade, a sua beleza) reflectem, pois, a
perfeição infinita de Deus. Daí que possamos falar de Deus a partir das
perfeições das suas criaturas: «porque a grandeza e a beleza das criaturas
conduzem, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sb 13, 5).
Deus
transcende toda a criatura. Devemos, portanto, purificar incessantemente a
nossa linguagem no que ela tem de limitado, de ilusório, de imperfeito, para
não confundir o Deus «inefável, incompreensível, invisível, impalpável» com as nossas representações humanas. As nossas palavras humanas ficam sempre
aquém do mistério de Deus.
Ao
falar assim de Deus, a nossa linguagem exprime-se, evidentemente, de modo
humano. Mas atinge realmente o próprio Deus, sem todavia poder exprimi-Lo na
sua infinita simplicidade. Devemos lembrar-nos de que, «entre o Criador e a
criatura, não é possível notar uma semelhança sem que a dissemelhança seja
ainda maior» , e de que «não nos é possível apreender de Deus o que
Ele é, senão apenas o que Ele não é, e como se situam os outros seres em
relação a Ele».
Resumindo:
O
homem é, por natureza e vocação, um ser religioso. Vindo de Deus e caminhando
para Deus, o homem não vive uma vida plenamente humana senão na medida em que
livremente viver a sua relação com Deus.
O homem foi feito para viver em comunhão
com Deus, em quem encontra a sua felicidade: «Quando eu estiver todo em Ti, não
mais haverá tristeza nem angústia; inteiramente repleta de Ti, a minha vida
será vida plena».
Quando
escuta a mensagem das criaturas e a voz da sua consciência, o homem pode
alcançar a certeza da existência de Deus, causa e fim de tudo.
A
Igreja ensina que o Deus único e verdadeiro, nosso Criador e Senhor; pode ser
conhecido com certeza pelas suas obras, graças à luz natural da razão humana .
Nós
podemos realmente falar de Deus partindo das múltiplas perfeições das
criaturas, semelhanças de Deus infinitamente perfeito, ainda que a nossa
linguagem limitada não consiga esgotar o mistério.
«A
criatura sem o Criador esvai-se». Por isso, os crentes sentem-se
pressionados pelo amor de Cristo a levar a luz do Deus vivo aos que O ignoram
ou rejeitam.