22 de nov. de 2018

Catequese do Papa Francisco sobre o décimo mandamento



Boletim da Santa Sé
Tradução: Jéssica Marçal (Canção Nova)

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Os nossos encontros sobre o Decálogo nos conduzem hoje ao último mandamento. Nós o escutamos na abertura. Estas não são somente as últimas palavras do texto, mas muito mais: são a realização da viagem através do Decálogo, tocando o coração de tudo aquilo que nele é entregue. De fato, a bem ver, não acrescentam um novo conteúdo: as indicações “não cobiçarás a mulher […], nem coisa alguma que pertença ao teu próximo” são pelo menos latentes nos mandamentos sobre adultério e sobre furto; qual é então a função dessas palavras? É um resumo? É algo a mais?


Tenhamos bem presente que todos os mandamentos têm a tarefa de indicar o confim da vida, o limite além do qual o homem destrói a si mesmo e ao próximo, estragando sua relação com Deus. Se você vai além, destrói a si mesmo, destrói também a relação com Deus e a relação com os outros. Os mandamentos destacam isso. Através dessa última palavra é colocado em evidência o fato de que todas as transgressões nascem de uma comum raiz interior: os desejos malvados. Todos os pecados nascem de um desejo malvado. Todos. Ali começa a mover-se o coração e um entra naquela onda e termina em uma transgressão. Mas não transgressão formal, legal: em uma transgressão que fere a si mesmo e os outros.

No Evangelho, diz explicitamente o Senhor Jesus: “Porque é do interior do coração dos homens que procedem os maus pensamentos: devassidões, roubos, assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes, desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez. Todos esses vícios procedem de dentro e tornam impuro o homem”. (Mc 7, 21-23).

Compreendemos, portanto, que todo o percurso feito pelo Decálogo não teria utilidade alguma se não chegasse a tocar este nível, o coração do homem. De onde nascem todas essas coisas feias? O Decálogo se mostra lúcido e profundo sobre este aspecto: o ponto de chegada – o último mandamento – desta viagem é o coração, e se este, se o coração, não está livre, o resto serve pouco. Este é o desafio: libertar o coração de todas essas coisas malvadas e ruins. Os preceitos de Deus podem reduzir-se a ser somente a bela fachada de uma vida que torna comum uma existência de escravos e não de filhos. Frequentemente, por trás da máscara farisaica de ser correto se esconde algo de feio e não resolvido.

Devemos, em vez disso, deixarmo-nos desmascarar destes comandos sobre desejo, porque nos mostram a nossa pobreza, para nos conduzir a uma santa humilhação. Cada um de nós pode se perguntar: mas quais desejos feios me vêm frequentemente? A inveja, a ganância, as fofocas? Todas essas coisas que me vêm de dentro. Cada um pode perguntá-lo e lhe fará bem. O homem precisa dessa bendita humilhação, aquela pela qual descobre não poder se libertar sozinho, aquela pela qual grita a Deus para ser salvo. Explica-o de modo insuperável São Paulo, propriamente referindo-se ao mandamento não desejar (cfr Rm 7, 7-24).

É inútil pensar poder corrigir a si mesmo sem o dom do Espírito Santo. É inútil pensar purificar o nosso coração em um esforço titânico somente através da nossa vontade: isso não é possível. É preciso abrir-se à relação com Deus, na verdade e na liberdade: somente assim os nossos cansaços podem dar fruto, porque é o Espírito Santo que nos leva adiante.
A tarefa da Lei bíblica não é aquela de iludir o homem que uma obediência literal o leve a uma salvação, contudo, inatingível. A tarefa da Lei é levar o homem à sua verdade, ou seja, à sua pobreza, que torna abertura autêntica e abertura pessoal à misericórdia de Deus, que nos transforma e nos renova. Deus é o único capaz de renovar o nosso coração, enquanto nós devemos abrir o coração a Ele: é a única condição; Ele faz tudo, mas devemos abrir-lhe o coração.

As últimas palavras do Decálogo educam todos a reconhecer-se mendigos; ajudam a nos colocarmos diante da desordem do nosso coração, para deixar de viver egoisticamente e se tornar pobres em espírito, autênticos diante do Pai, deixando-nos redimir pelo Filho e educados pelo Espírito Santo. O Espírito Santo é o mestre que nos guia: deixemo-nos ajudar. Sejamos mendigos, peçamos esta graça.

“Bem aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5, 3). Sim, bem aventurados aqueles que deixam de se iludir acreditando poder se salvar pela própria fraqueza sem a misericórdia de Deus, que somente pode curar. Somente a misericórdia de Deus cura o coração. Bem aventurados aqueles que reconhecem os próprios desejos malvados e com um coração arrependido e humilhado não estão diante de Deus e dos outros homens como os justos, mas como os pecadores. É belo aquilo que Pedro disse ao Senhor: “Afasta-te de mim, Senhor, que sou um pecador”. Bela oração esta: “Afasta-te de mim, Senhor, que sou um pecador”.

Estes são aqueles que sabem ter compaixão, que sabem ter misericórdia dos outros, porque a experimentam em si mesmos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário